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A&160;I Jornada de Direito da Saúde&160;recebeu 589 propostas de enunciados, que serão discutidas por especialistas na sede do Conselho da Justiça Federal (CJF), em Brasília, nos dias 13 e 14 de junho. O ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e corregedor nacional de Justiça Luis Felipe Salomão é um dos coordenadores científicos do evento.

Nesta entrevista, ele compartilha suas expectativas sobre o encontro e fala das dificuldades dos juízes diante dos processos que envolvem questões de saúde.​​​​​​​​​

O ministro Luis Felipe Salomão integra a coordenação científica da I Jornada de Direito da Saúde.

Quais os principais desafios enfrentados pelos magistrados ao abordar questões ligadas à saúde pública e à saúde suplementar?&160;

Luis Felipe Salomão –&160;Os magistrados enfrentam diversos desafios nas demandas relacionadas à saúde, tanto a pública como a suplementar. Além, é claro, da massiva judicialização, como também é possível verificar em outras áreas do direito, questões como a eficaz obtenção de informações atualizadas e precisas da medicina, baseadas em evidências para o bom julgamento dos processos, apresentam-se como desafios inerentes à atuação jurisdicional.

Aos magistrados, cabe a coleta de informações atualizadas a respeito das evidências científicas em saúde, a fim de que sejam esclarecidos na decisão os critérios para permitir a possibilidade de oferecer à população determinado serviço ou produto de saúde, tanto no aspecto da saúde pública como no da suplementar.

O grande desafio, entretanto, é a redução da judicialização, sem limitar o exercício da cidadania, possibilitando que o direito de cada um seja entregue na forma da legislação, mas sem a inviabilização do sistema como um todo, seja o Sistema Único de Saúde (SUS), sejam os planos de saúde. Os juízes devem atentar para a análise precisa dos fatos que foram levados à apreciação jurisdicional, sem descuidar das consequências práticas de suas decisões nos sistemas que, obviamente, possuem limitações orçamentárias e um caráter coletivo.&160;

Qual o papel de instituições como a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec) e a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) na regulação e no desenvolvimento das políticas de saúde no Brasil?

Luis Felipe Salomão –&160;As instituições como Anvisa, Conitec e ANS exercem papéis fundamentais na regulamentação das políticas públicas de saúde. Por consequência, o juiz que atua na área da saúde pública e da suplementar deve estar atento às regulamentações e funções de cada uma dessas entidades para que as decisões proferidas estejam em consonância com o sistema de saúde como um todo.

Ainda, as referidas instituições exercem importantes funções técnicas na administração do sistema de saúde integral, no que diz respeito ao gerenciamento das informações, às evidências científicas dos produtos e serviços em saúde e às capacidades orçamentárias dos órgãos administrativos. Portanto, o envolvimento de juízes e de demais instituições administrativas na discussão conjunta da dualidade entre as prestações jurisdicionais positivas em matéria de saúde, com as evidências cientificas e as limitações orçamentárias, propiciará, sem dúvida, melhorias na prestação jurisdicional e no funcionamento dos sistemas administrativos de saúde.

Como as discussões acerca de oncologia, doenças raras e regulação de filas têm o potencial de influenciar tanto a legislação quanto a prática jurídica nessas áreas?&160;&160;

Luis Felipe Salomão – Essas discussões possuem tratamento diferenciado, especialmente na saúde pública, sobretudo diante da manifesta complexidade dos temas e da diversidade de abordagens em relação às outras situações mais corriqueiras na saúde.

A oncologia e as doenças raras possuem tratamento diferenciado pela legislação em razão de envolverem procedimentos de alta complexidade, além de tratamentos e produtos de maior custo. Esse contexto potencializa a necessidade de discussões específicas, propiciando uma melhoria da atuação jurisdicional nesses temas, que pode ter reflexo inclusive em propostas de incremento da legislação já existente.

O mesmo pode ser dito em relação à regulação das filas de atendimento, sobretudo no Sistema Único de Saúde. Evidentemente, a situação ideal na prestação de serviços públicos em saúde não deveria envolver uma espera, até mesmo porque, muitas vezes, a saúde das pessoas não pode esperar. Mas, na prática, as filas acontecem e existem centrais de regulação estaduais ou municipais para o gerenciamento delas, provocando diversos tipos de questionamentos, tais como: "Qual o lugar na fila?", "Há risco à saúde durante a permanência da pessoa na fila de espera?", "A pessoa pode esperar?", "Podem existir alterações nas filas?".&160;

Todos esses questionamentos sugerem a importância da discussão dessas temáticas em apartado dos temas mais genéricos em saúde pública e suplementar, congregando especialistas da área médica e da área jurídica. O resultado é apenas um: a melhoria da prestação jurisdicional na judicialização da saúde.&160;

Como os enunciados aprovados, após as discussões das comissões, auxiliarão o Poder Judiciário?&160;

Luis Felipe Salomão – As comissões da Jornada, compostas por um ministro do STJ e por especialistas e juristas renomados tanto na área jurídica em saúde, como propriamente na área médica, analisarão as 589 propostas de enunciados aceitas. Elas serão encaminhadas para um debate generalizado entre todos os participantes do evento, proponentes das propostas aceitas e demais integrantes das comissões.

A amplitude do debate e dos temas na área de saúde propiciará uma discussão inédita a respeito destes temas na Justiça brasileira, provocando uma melhor reflexão a respeito dos conteúdos para, ao final, gerarem enunciados que serão encaminhados aos juízes brasileiros para conhecimento e melhoria da prestação jurisdicional na área da saúde.

Este contexto promove um ambiente de enfrentamento sério e consistente dos reais desafios afetos à judicialização da saúde no Brasil. Os resultados poderão caminhar num sentido profícuo de redução da judicialização de tão sensível tema, sem o descuido da tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais.

Quais as diferenças entre esta Jornada e os encontros sobre judicialização da saúde realizados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ)?

Luis Felipe Salomão – A Jornada de Saúde e os encontros sobre judicialização da saúde realizados pelo CNJ possuem o objetivo maior de amadurecimento dos temas enfrentados diariamente pela Justiça e pelos operadores na área de saúde pública e suplementar, propiciando a melhoria da prestação jurisdicional.&160;

Entretanto, a Jornada de Direito da Saúde, por congregar instituições como o CNJ, a Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam) e o Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal (CEJ/CJF), além de ministros do STJ e renomados profissionais atuantes nas mais diversas áreas jurídicas e médica, propõe um debate bastante amplificado sobre o tema, de forma, inclusive, inédita no Brasil, sobretudo, quanto ao alcance que as discussões propiciarão, com a possibilidade de produção de enunciados importantes para o incremento de toda a Justiça brasileira nessa tão sensível área da saúde.

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